27 setembro 2009

Medo

O medo, talvez propositalmente sentido, cunhou apenas duas marcas suficientes para que brotassem filetes vermelhos sobre a pele branca e trêmula. A coragem outrora sentida, impulsionada pelo álcool e por idéias confusas, sumiu ao primeiro corte. Os olhos encharcados tentaram discernir alguma figura conhecida que pudesse enxugá-los. Contudo, a única coisa encarada, frente à frente, era a própria carcaça que os alojava. O rosto transfigurado, refletido no retrovisor, não representava mais aquela que o possuía. Não poderia ser pior. Estava à mercê de uma estranha: eu mesma. Se alguém viesse em socorro, acomodando a pobre cabeça doentia sobre seus ombros, dizendo, como numa canção de ninar, "calma, tudo isso há de passar", o confronto, mais uma vez, não se daria. E os monstros, como desde sempre, seriam empurrados com a barriga até a próxima bebedeira. Doce ilusão de desesperado imaginar que, deixando o metal fundido descer goela abaixo, o gozo e a paz instalarão, mesmo que temporariamente, na alma enfraquecida, acalmando à força o demônio dentro de si. Não há calma sob correntes. Eu o futuquei até fazê-lo reagir. Sua liberdade foi esfregada na minha cara. Não sei se no fundo de outros poços há água. No meu, há o vermelho. Estou viva. E três cordas são lançadas para mim: ou mato eu a peste; ou sucumbo a ela; ou jogo cartas, com algum coringa sob as mangas. Somente eu e ela. Sem canções de ninar.

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